domingo, 26 de janeiro de 2014

Do tema do momento: a praxe

Em boa verdade, o título deste artigo não está 100% correcto. Este tema é deste momento como já foi de muitos outros momentos. A discussão à volta da praxe é velhinha, velhinha e, como em tudo o que se discute em Portugal, não há meio termo. Só se manifesta quem adora a praxe, considerando que ela fez parte da sua formação enquanto pessoa e que elevou os seus valores de companheirismo, amizade, dádiva, etc., ou então quem a odeia. Este último grupo de pessoas parte geralmente para a generalização gratuita, considerando que toda e qualquer pessoa envolvida neste "ritual secreto e perverso" é, naturalmente, frustrada e mal resolvida ou então, pelo outro lado, tornar-se-á num cidadão sem fibra, subjugado e inútl. 
Pois bem. Como sempre faço, reflecti muito sobre este assunto antes de escrever sobre ele. Li opiniões, artigos, crónicas, dezenas de posts de facebook de ambas as facções e acho-me agora capaz de opinar de forma congruente e (eu sim!) com muito conhecimento de causa.
Para começar com todas as cartas em cima da mesa, faço uma ressalva importante: fui praxada, praxei e adorei esses dois anos da minha vida, embora deva confessar, seja de longe muito mais divertido ser praxado do que praxar. E fi-lo, muita atenção!, porque QUIS. Porque voluntariamente eu quis experimentar a praxe. Nunca ninguém me obrigou a fazer nada e recusei-me inclusivamente a fazer algumas coisas por considerá-las estúpidas. Fui agredida, excluída, insultada? Não. Nunca. 
Facto curioso para todos os Pachecos Pereiras da vida: sou uma pessoa normal, tenho amigos, um bom emprego e boas relações com as pessoas por todos os sítios por onde vou passando. Como eu, tenho dezenas de colegas e amigos. Pessoas bem formadas e educadas que viram na praxe uma excelente oportunidade de se "divertirem à grande" com pessoas que, inicialmente, mal conheciam e que, naquele contexto de brincadeira e à vontade, se foram tornando, de facto, grandes amigos. Nunca me senti humilhada e certamente nunca humilhei ninguém. Nunca maltratei professores e nunca vi isso acontecer da nossa parte. Um dos "meus" caloiros mais activos é hoje em dia Presidente da Associação Académica da Universidade. Continuo amiga de alguns dos meus professores, pessoas de quem retirei ensinamentos para a vida e de quem nunca me esquecerei. Esses mesmos professores viram-me trajada, viram-me a praxar e nunca em momento algum me referiram nenhum tipo de repúdio por nada do que eu tenha feito. 
Quanto ao argumento de a praxe acrescentar ou não alguma coisa à sociedade. Bom, tendo em conta que a Fanny é uma figura pública, esse argumento nem sequer pode ser considerado. 
No entanto, caros leitores (e este no entanto é fundamental!), nem todas as pessoas são como eu, os meus amigos e grande parte dos que me praxaram e que eu praxei. Infelizmente, a praxe é uma tradição mantida por pessoas e como qualquer coisa que dependa de pessoas, ela está sujeita à perda da sua essência com o tempo, à estupidez humana e à falta daquela coisa que dizem que nos distingue dos animaizinhos. É isso, racionalidade. Assim sendo, e como qualquer actividade que envolva pessoas, a praxe pode e DEVE ser regulada e controlada para lá do código de praxe que, convenhamos, em termos humanos regula muito pouco.
Não vale a pena, portanto, na minha opinião, andarmos a tentar colocar as culpas na praxe em si. O problema está nas pessoas, como em tudo na vida! E então são essas pessoas que devem ser punidas, que devem ser impedidas de ter acesso à praxe, que devem pagar pelos erros cometidos. E não a praxe, porque a praxe em si é apenas uma tradição de integração e acolhimento que, na sua génese, nada tem de errado. Como referia hoje o HM no seu artigo do Expresso, há praxe no exército, há praxe em grupos desportivos, há praxe nas escolas secundárias, enfim. A praxe não é exclusivamente uma prática universitária e como tal não lhe podemos colocar todo o peso desta discussão em cima. 
Como ninguém neste momento em Portugal, tirando claro o envolvido, não sei o que aconteceu no Meco. Não sei se os seis estudantes estavam, de facto, em praxe nem se o Dux entrou ou não entrou na água com eles e teve, simplesmente, mais sorte. Não sei sequer se entraram na água ou se a onda os apanhou desprevenidos enquanto bebiam uns copos. Se entraram na água em praxe, contudo, a culpa não será certamente do Dux, uma vez que eles eram todos praxantes, adultos e voluntários. Não sei nada e ninguém sabe nada, embora andemos todos armados em Polícia Judiciária, faltando ao respeito à memória dos seis miúdos que perderam a vida, às suas famílias e ao sétimo rapaz que todos agora tratamos por Dux, mas que tem um nome, uma família e perdeu seis amigos num acidente terrível. 
Só há uma coisa que sei no seguimento daquilo que escrevi anteriormente. Não é suposto utilizar a praxe para actividades que colocam vidas em risco, ao fim de semana e na praia com a costa portuguesa em alerta vermelho. E neste sentido, todos os envolvidos são responsáveis, praxantes e praxados, tendo tido, infelizmente, a maior punição possível. 
Agora, se mesmo depois desta terrível lição, os estudantes da Lusófona e de outras semelhantes, continuam a achar-se no direito de prosseguir com este tipo de actividades arriscadas e de ainda por cima não falarem sobre elas, passando por cima de todos os limites da dignidade humana, meus amigos, que se lixe a praxe. Se é impossível regular as atividades praxísticas de um modo que vá para além do código de praxe e se é impossível controlar a estupidez humana de modo a evitar que outras tragédias aconteçam, que se lixe a praxe. Até porque, como sempre dizíamos:  "quando um faz m****, todos fazemos m****". 

2 comentários:

  1. Não te conheço pessoalmente, mas tomo a liberdade para "entrar na discussão". Gosto do teu texto na sua gênese, mas pedia-te para não generalizares.
    A verdade é que não sou contra a praxe em si, ainda que não me fascine minimamente a mesma. Mas não entendo o abuso de poder e consequente abuso da dignidade de pessoas por pessoas, como tem vindo a ser exposto publico, pelos diversos casos provenientes da praxe. E isso, é simplesmente inaceitável na minha opinião!

    Também não concordo que a praxe seja algo tão bom como revelas, porque acima de tudo, é uma boa desculpa para "ir para os copos", ainda que não veja mal nisso… também faz parte. Mas não é a solução do ser humano!

    Essencialmente, e como sempre defendi, a praxe é fantástica para todas as pessoas que estão num universo novo, provenientes de outras cidades/países e que é num ápice, que conheces o parceiro que será potencialmente o teu amigo para os seguintes 5/6 anos ou mesmo para a vida…e continuo a não ver mal nisso!
    Mas não reside na praxe a solução para esse feito, que um bom café na faculdade não permita!

    Acima de tudo, agrada-me toda esta discussão, ainda que falem sem grandes factos, porque acho que é preciso os portugueses decidirem, discutirem e deixarem de ficar impávidos perante a vida e problemas…

    Chateia-me acima de tudo a estupidez humana, e se algo deriva de um mote existente, é como as ervas daninhas, são precisas arrancar da terra, para as plantas continuarem a crescer…

    Também era altura de alterarem a história do capuchicho, vestido de Dux… a esperteza, adquire-se com a vida, e não com o prolongamento quase eterno (em muitos casos) das matrículas de um curso que deveria ser terminado passado 4 anos. Tendo esse prolongamento, um gasto sobre os contribuintes que não têm culpa.
    Já está na hora de agir, e abolir toda a decadência que acaba por ser promovida ainda na praxe.

    Se tem coisas boas, como a facilidade de conheceres pessoas novas e irem para os copos, também tem um revés da moeda que não contrabalança suficientemente com saldo positivo… Como a exclusão social, em modo de ameaça, caso não te submetas aos rituais praxistas. A indignação humana em espaço público ou privado e toda a inutilidade que acaba por ter, desencaminhando os demais estudantes do cerne da questão, formarem-se para serem bons profissionais!

    Dado esta questão, questionei uns colegas alemães, como se procedia nas faculdade na Alemanha, simplesmente o conceito de praxe não existe. Mas têm ainda hoje amigos e laços fortes criados na academia, estranho talvez!

    De toda a experiência que tenho (ou não tenho), sobre o que vivi, o que li e sobre o que foi transmitido, continuo a não perceber esta visão cega sobre a praxe. Mas aceito a brincadeira, devendo urgentemente ser controlada… Durante anos, apenas era controlado pelos "putos" da faculdade entre si, que pelo apresentado estes anos todos, pouco eficiente. Devendo por isso, ser regulado pela própria administração da faculdade, enquanto responsável máxima desta brincadeira da faculdade, pela faculdade…

    Pessoalmente, detesto regras que possam vir a condicionar seja o que for desta vida! Mas neste caso, penso ser urgente intervir…

    Por isso, na minha opinião, que continue a longa e efusiva discussão sobre a pertinência da praxe na vida académica, porque é bom discutir!
    E gostaria também, se possível, que um dia me apresentem razões realmente importantes e válidas sobre a importância da praxe académica… se conseguirem ;)

    Quanto a mim, sim também passei pela praxe, mas não é graças à mesma que sou uma pessoa forte com sonhos e planos futuros, numa aventura corrente, chamada vida!


    Em suma, gostei do teu comentário, como referi no início. E que mais pessoas tomem o exemplo e seja criada a discussão, ainda que pacífica, sobre "as coisas"… porque é preciso haver evolução seja para que lado for!

    Mais uma vez me desculpo pela ousadia tomada!
    Boa estadia pela Irlanda.

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    1. Ola! Obrigada pelo teu comentario. Gostava pelo menos de saber o teu nome :)

      Bom, acho que nao discordamos em nenhum dos pontos que referiste. O ultimo paragrafo do meu texto sumariza muito bem tudo o que disseste e acho que nenhum de nos os dois (ou duas :p) fez generalizacoes gratuitas, e por isso mais uma vez obrigada pelo teu comentario que complementou muito bem a mensagem que quis transmitir.

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