quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Dos lugares que também nos fazem.

Quando penso no que tem sido a minha vida ao longos destes tantos e tão poucos 24 anos, penso muito não só nas pessoas que me foram, de uma forma ou de outra, tornando na pessoa que hoje sou, mas também em todos os lugares por onde passei e por onde ainda passarei. E quanto mais penso, mais concluo que os lugares são, sem dúvida, fundamentais na nossa definição enquanto pessoas e, tal como as pessoas, eles perduram em nós. O cheiro, os ruídos, os silêncios, a solidão profunda ou a alegria de um grupo de amigos, as rotinas e os hábitos que mudam sempre de lugar para lugar. Trago todos os lugares por onde tenho passado no coração e não são raras as vezes em que alguma coisa me faz lembrar deles.
O ruído do elétrico lembra-me o Porto, a cidade que me viu nascer, a Igreja do Carmo e a minha avó a passear-me orgulhosa ao Domingo de manhã. O som do mar traz-me à lembrança Matosinhos, onde cresci e me fiz mulher e para onde voa o meu coração sempre que a saudade aperta. Foi provavelmente lá que mais chorei em toda a minha vida, mas também foi de certeza onde mais vezes aqueci o coração.
Saudade é também a palavra que me leva a Braga. Braga tem uma magia especial, uma luz própria que é difícil de encontrar numa cidade, por maior que seja. Braga viu-me crescer de várias maneiras, viu-me criar sonhos e correr atrás deles. Braga deu-me amigos que nenhum lugar nunca apagará.
Bolonha é o pôr-do-sol. Ah, se é! Cidade das cores do fogo, do cappuccino e do Inverno a sério. A lembrança que me traz cheiro da pizza saída do forno nunca será substituída por nenhuma outra, como nunca o será ouvir a "Aqui ao Luar" dos Xutos.
Guimarães foi, provavelmente, a cidade onde mais me senti sozinha, por mais pessoas fantásticas que tivesse à minha volta. Mas nunca me esquecerei da sensação fantástica de conduzir à deriva ao som do oceano pacífico da RFM, e do conforto do regresso a casa ao fim de semana. Guimarães ensinou-me a gostar da minha própria companhia, a desfrutar de verdadeiros momentos de silêncio em que só as páginas do meu livro faziam algum ruído. 
E depois Dublin. Esta cidade cinzenta, chuvosa e fria que foi a maior surpresa de todas. Dublin é chuva, mas também é brunch ao Domingo de manhã. É frio, mas também é música nas ruas e pessoas felizes. É sair do trabalho e ouvir alguém a tocar gaita de foles de forma sublime. É mudança e um futuro risonho. Para onde quer que vá, será sempre a cidade onde mais amei.

E, depois de tudo, no fundo todos estes lugares são as pessoas com quem os partilhei, que tanto me deram e por isso nunca partiram, nem partirão alguma vez. 

O bom de mudar de sítio muitas vezes é perceber que o meu coração é suficientemente grande para deixar pedaços enormes por onde quer que passe.

Até já.


quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Amo-te.

O melhor da vida é sentirmo-nos amados. Por aqueles que amamos e, não sejamos hipócritas, por outros também. Mas foquemo-nos no amor recíproco. Esse amor que nos faz bem, que nos cola um sorriso nos lábios ao acordar e que nos faz adormecer com o coração mais quentinho do que os pés.

Quando nascemos e durante a nossa infância, amor é tudo aquilo de que necessitamos para ser felizes. A certeza de que há ali uma figura de referência, seja uma mãe, um pai, um avô, uma avó, um tio, uma tia, que nos ama incondicionalmente, nos protege e assegura o nosso bem-estar emocional é, talvez mas não suficiente, mas fundamental para nos formarmos seres humanos capazes e competentes.

Nessa altura, a nossa própria capacidade de amar é muito maior do que em qualquer outra fase da vida. Encontramos nas pessoas que nos acompanham, os nossos heróis favoritos e vibramos com as gargalhadas deles, da mesma forma que sofremos com as suas lágrimas. O amor é uma coisa simples. Basta receber tudo de bom e o mesmo retribuiremos. "Filho és, pai serás", sempre ouvi dizer.

O problema é que quando crescemos, este amor absoluto parece, de repente, relativizar-se. Já não queremos dar tudo, porque há algo que deve sempre ficar para nós. E na verdade já não podemos dar tudo, porque não temos tempo. Amamos muitas outras coisas, de repente. Amamos o nosso trabalho, amamos a nova cidade onde vivemos, amamos os novos amigos que vão surgindo, amamos os outros que sempre vão ficando, amamos um novo alguém na nossa vida.

Aflige-me então que já não possamos dar tudo sempre, como acontecia antes. Aflige-me a aversão que temos ao uso de um "amo-te", sobretudo às pessoas que estão na nossa vida desde o início. Aflige-me as opções que vamos tomando e que nos roubam momentos que nunca saberemos se voltam. Tornamo-nos muitas vezes egoístas, porque sabemos que precisamos de amor em determinado momento, mas esquecemo-nos de perguntar se a pessoa que nos abraça não precisa, também ela de chorar, ou de rir muito até doer a barriga. Esquecemo-nos de dizer "obrigada por estares aqui". Forçamos o esquecimento daquele "amo-te" que nós próprios tanto gostamos de ouvir.

Por não saber por quanto tempo o poderei fazer, faço questão de amar muito, por palavras e actos, todos aqueles que durante toda a minha vida tanto me deram. Faço questão de dizer aos meus pais, às minhas três irmãs, aos meus avós, aos meus amigos, amigas e ao meu namorado, o quanto eles são fundamentais para o meu equilíbrio. O quanto a felicidade deles faz parte da minha também. O quanto a sua presença me falta.

Que nunca nos falte um "amo-te", um "gosto muito de ti" ou um "tenho saudades tuas".
Ainda por cima temos o privilégio de o poder dizer em Português.

Com amor,
Até já.

domingo, 20 de outubro de 2013

O outro lado da emigração.

Desde que deixei Portugal, há um ano e meio sensivelmente, o tema da emigração jovem tem feito cada vez mais furor. Duvido que ainda reste alguém em Portugal que não tenha pelo menos uma pessoa próxima a viver fora do país: um filho, um amigo, um irmão, um neto. Somo-lo todos nós e sabemos bem o peso que isso acarreta.
Não acredito, no entanto, que a questão da emigração seja, sempre, abordada da forma mais correcta. Acredito mais depressa que seja abordada pelo lado mais fácil, mais mediático e mais sensível para qualquer um de nós: a dor de partir, a saudade, a coragem, a cobardia, o fugir, o enfrentar, enfim, toda uma panóplia de termos que parecem andar de mãos dadas com todos nós que tomámos a decisão de sair e com todos os "nossos" que ficaram.
Apesar de não negar nem querer ignorar de nenhuma forma o peso emocional e as consequências demográficas e económicas para o nosso país que esta vaga de emigração jovem traz e trará em anos não muito distantes, julgo que está na hora de olharmos para o fenómeno por um lado menos negativista e menos pesado. 
Por que não substituir as expressões "coragem" ou "fuga" por "sucesso" e "conquista"? Por que não pensar naqueles que deixam o país como "os que encontraram alternativas mais satisfatórias e realizadoras", ao invés de encará-los como "os que, coitadinhos, deixam o país porque a sua vida era absolutamente miserável e nunca poderiam ser felizes no seu Portugal?". Bem sei, bem sei, nem todos os casos de emigração são casos de sucesso. Mas há muitos, imensos até, que o são e isso prova, mais do que a falta de oportunidades que há em Portugal, o quão bons são estes lusitanos que se aventuram além fronteiras! 
Por outro lado, os que ficam em Portugal, são também muitas vezes vistos de duas formas distintas. Para uns, são os coitadinhos sem coragem, cujas vidas estão condenadas ao fracasso num país que nada mais tem para oferecer do que precariedade e desemprego. Para outros, os que decidem não sair são os resistentes, os bravos que se mantém e que lutam por uma pátria em decadência. Para mim, os que ficam são tão pessoas e tão tudo o resto, como todos aqueles que saem. O seu único pecado (ou virtude!) é terem feito outras escolhas, terem outras prioridades.
A chave está, na minha opinião, em olharmos para tudo isto de uma forma mais otimista e em assumirmos que a emigração de hoje em dia (embora de consequências futuras inegavelmente nefastas!) é radicalmente diferente daquela que se praticava há quatro ou cinco décadas. Nós já não somos os emigrantes da mala de cartão, mas também não fugimos nem perdemos afectos nem nos esquecemos do quanto é bom ser Português. 
Mesmo que tudo o resto falte, nunca nos tirarão os dias de sol no Inverno, o bacalhau com natas ou o Fado. Esse Fado que, em qualquer parte do Mundo, viverá eternamente connosco.

sábado, 12 de outubro de 2013

Tu, sim, Malala.

Mais uma vez o Nobel da Paz foi entregue a uma organização. Mas ele deveria ser teu, Malala, e por isso escrevo esta pequena crónica.

Não quero, de modo algum, desvalorizar o papel que organizações como a da Proibição para o Uso de Armas Químicas ou a União Europeia tiveram para a preservação da paz mundial em momentos específicos fundamentais da nossa história. As duas grandes guerras foram efetivamente períodos horrendos e aterrorizantes e o papel destas organizações na re-pacificação da Europa e do Mundo não deve ser minimamente desvalorizado.

O que me incomoda é que, nos dias de hoje, já nem comités de tão alto gabarito como o da atribuição do Nobel da Paz pareçam ser capazes de desempenhar as suas funções longe dos interesses políticos e estratégicos das grandes, pequenas e médias potências. O Obama precisa de ser visto como o novo fôlego na credibilização da política externa norte-americana, ganha o Nobel da Paz. A UE está em crise, damos-lhe o Nobel da Paz. É preciso que alguém legitime uma intervenção na Síria, tomem lá o Nobel da Paz.

Ainda mais, no entanto, me incomoda pensar que esta organização que ganha agora o prémio máximo do reconhecimento pelos esforços para a paz mundial é financiada por algumas das mesmas entidades que, ao mesmo tempo, financiam a existência e a persistência da existência de armas químicas, ou não químicas - isso será o menos relevante neste contexto, se levarmos em consideração que PAZ é geralmente definida como um estado de calma ou tranquilidade, uma ausência de perturbações e agitação. Derivada do latim Pacem = Absentia Belli, pode referir-se à ausência de violência ou guerra (Wikipedia).

E por isso é que eu acho que tu, Malala, tu merecias o Nobel da Paz. O prémio principal e não apenas o Sakharov de consolação.

Porque tu és apenas tu e a tua voz e a tua coragem. Tu falas de uma solução absolutamente pacífica e de consequências magnânimes a longo prazo. Também eu acredito que a educação é o caminho para um mundo mais igualitário e mais justo, sem armas químicas, mas também sem discriminação, sem fanatismos religiosos ou políticos, sem a opressão das minorias.

Mas há, para além de tudo isto, outra coisa em que eu acredito. Eu acredito que a nossa geração precisa de exemplos como tu, Malala. A nossa geração precisa de acreditar em muito mais do que nas organizações e nas elites políticas e financeiras que nos (des)governam.

Nós precisamos de acreditar nas pessoas. Nas boas pessoas e nos seus sonhos, na sua coragem. Só essas, como tu Malala, têm o verdadeiro poder de transformar o Mundo num lugar melhor.