Não costumo escrever crónicas de opinião, é verdade. E não é porque não tenho opiniðes. Eu sou aquele irritante tipo de pessoa que acha sempre qualquer coisinha sobre tudo, mesmo que não perceba grande coisa sobre o assunto. E na minha ânsia de saber tudo, às vezes também faço figura de parva. Mas adiante.
Não escrevo sobre este tipo de assuntos, porque a minha paixão pela escrita advém precisamente da capacidade que só ela tem de me transportar para outras (i)rrealidades. Gosto de escrever para ser mais feliz e para fazer os outros mais felizes, porque de infelicidades e agonias os jornais já nos enchem todos os dias.
De qualquer modo, hoje apraz-me dizer algo, ou melhor, questionar-me sobre algo que realmente me tem preocupado no meu país e nos meus compatriotas. Esta crise tem acentuado o nosso afamado Sebastianismo e está, arrisco-me a dizer, a tornar-nos ridículos. Ou então está tudo a ficar doido mesmo.
Precisamos desesperadamente de um herói. E de um mártir, pois claro.
Há umas semanas, o Miguel Gonçalves ia salvar a pátria para uns e enterrar o que resta do nosso jardim à beira mar plantado, para outros. Esta semana, um miúdo de 16 anos que ninguém sabe de onde saiu torna-se buzz nas redes sociais, domina todas as conversas e ainda consegue a proeza de passar de bestial a besta em 24 horas. A tal investigadora Raquel faz o percurso inverso no mesmo espaço de tempo.
A crise está a toldar-nos o raciocinio e o pensamento critico não está?
O amor/ódio pelo Miguel, pelo Martim e pela Raquel é bem revelador do nosso desespero. As próprias figuras são o espelho dessa realidade. Em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão. Ora pois.
O Miguel trata os desempregados como um gado uniforme que não gosta de trabalhar e que está desempregado porque quer. O Miguel também diz que em Portugal há lugar para todos e sabemos bem (eu sei-o bem) que não é verdade. E o Miguel tem um discurso presunçoso que, convenhamos, é irritante.
Mas o Miguel também incita ao esforço pessoal para se atingirem metas, toca na ferida das licenciaturas, mestrados e por aí fora e defende a ideia de que infelizmente nem todos somos bons naquilo que gostaríamos (tendo por isso que, inevitavelmente, trabalhar o dobro e descobrir qual afinal é a nossa vocação) e é direto ao ponto de nos dizer que estamos na era em que cada um deve, por si próprio, arranjar uma solução. Ponto.
Em todo o caso, uma coisa é certa. Os discursos e as expressões carismáticas do Miguel, por si só, não mudam nada.
Quanto ao Martim e à Raquel, se pensarmos bem aquela troca de palavras não acrescenta absolutamente nada. É óbvio que o ordenado mínimo português é ridículo e que ninguém vive condignamente com menos de 500 euros. É óbvio também que a investigadora Raquel não se calou porque o menino é a última coca-cola do deserto e demonstrou uma sabedoria fora do comum que a arrebatou imediatamente. E sim, levanta-se um debate importante e fundamental na sociedade portuguesa que muitas vezes é discutido com uma leveza que me agonia.
Mas vamos agora crucificar o Martim, que tanto ainda tem para aprender e que claramente deu a resposta que mais depressa lhe veio à cabeça porque é um adolescente de 16 anos cheio de sangue na guelra? E ainda por cima, não é também verdade que, em paralelo com o problema do salário minimo, temos um flagelo de desempregados a engrossar as fileiras para os pedidos de apoios sociais?
Eu acredito piamente que devemos lutar pelos nossos direitos. E faço-o todos os dias, à minha maneira, porque quero um dia que os meus filhos sintam orgulho nas suas origens portuguesas.
Mas, por favor. Não é de heróis nem de mártires que Portugal precisa. E claramente nenhuma das três pessoas mencionadas tem estaleca para o ser.
Nós precisamos, Portugal, é de quem fale menos e faça mais.
Até já,
Ana.
O Miguel ainda continua a ser o "D. Sebastião" para muita gente, um detalhe que muita gente se esquece, é que a profissão dele é falar, e nisso não há dúvida de que ele é bom. Ter ou não razão é um detalhe, ele apenas tem de falar e ser convicto no que diz.
ResponderExcluirEnquanto uns perdem tempo a falar, e a pouco agir, outros muitos andam a escapar de Portugal (como nós). Um dia poderá ser tarde demais, e Portugal poderá vir a ser a nova Irlanda que precisa de mão de obra estrangeira para colmatar as falhas que eles por cá têm...
PS: Gostei bastante do teu artigo de opinião ;)
Muito bem Ana, bastante assertivo. Apenas um reparo (que não é reparo nenhum), o jovem deu-lhe a resposta que ela merecia, porque a forma como ela o interpelou foi no sentido destrutivo,dá para entender isso pela colocação de voz e pela questão em sim, nessa medida, pessoa como essa senhora deveriam levar com respostas terra-a-terra bastantes mais vezes. Porque fazer investigação dentro de um gabinete é muito bonito, mas a realidade cá fora é bastante diferente...e sim, o salário mínimo é uma miséria, mas miséria pior do que receber o ordenado mínimo é as pessoas estarem desempregadas e sentirem-se incapazes, por vezes até inúteis. Neste sentido o Martim é apenas o reflexo de uma realidade, a que temos neste momento, e que, infelizmente, algumas pessoas pensam ser manuseável a partir de um gabinete universitário.
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